A LEITURA ORANTE DA BÍBLIA
Esta forma de ler a Bíblia é como a subida de uma escada; em DEGRAUS, procurando obter o máximo do sentido do texto, inserido na vida comunitária e individual. Ela também faz uso de outros métodos de leitura, tornando-se científica e espiritualmente apropriada.
Resumidamente, a leitura é feita da seguinte forma:
1º DEGRAU – A LEITURA (conhecer, respeitar, situar).
“A leitura é o primeiro passo para se conhecer e amar a Palavra de Deus. Não se ama o que não se conhece... Ler, ler, ler! Ler muito para familiarizar-se com a Bíblia; para que ela se torne nossa palavra, capaz de expressar nossa vida e nossa história...” Pela leitura, freqüentamos a Bíblia, como se visita um amigo... (isto) exige atenção, respeito, amizade, entrega, silêncio, escuta...
“A leitura começa com uma atividade bastante elementar: ler, pronunciar bem as palavras, se possível em voz alta”.
“A leitura deve ser perseverante e diária. Exige disciplina. Não pode ser interesseira, mas deve ser desinteressada, gratuita, em vista do Reino e do bem das pessoas”.
A leitura é ponto de partida, não é ponto de chegada... Prepara o leitor para o diálogo da meditação. Para que a meditação não seja fruto de uma fantasia irreal, mas tenha fundamento no texto e na realidade, é necessário que a leitura se faça com critério e atenção. Ela estabelece o sentido que o texto tem em si, independente de nós.
A leitura ajuda o leitor a dimensionar o texto, analisá-lo e situá-lo em seu contexto de origem. Ela responde à pergunta: O QUE O TEXTO DIZ, isto é, conforme nos ensina Jesus; “o que está escrito” (Lc 10.26 a). Ela se dá em três níveis:
1) NÍVEL LITERÁRIO – Neste nível nos aproximamos do texto para analisar o seu tecido com perguntas como: QUEM AGE? O QUE FAZ? ONDE? POR QUÊ? QUANDO? COM QUE MEIOS?
2) NÍVEL HISTÓRICO – Procuramos atingir o CONTEXTO histórico do texto e/ou do fato narrado, e analisar a situação histórica em dimensões como: ECONÔMICA, SOCIAL, POLÍTICA, IDEOLÓGICA, AFETIVA, ANTROPOLÓGICA... e descobrir os conflitos que originaram o texto ou que nele estão refletidos. Aí percebemos a realidade para a qual Deus falou e o impacto que sua palavra causou naquele momento.
3) NÍVEL TEOLÓGICO – Procuramos descobrir o que Deus tinha a dizer naquela situação histórica; o que Deus significava para o povo e como este assumia e celebrava a Palavra do Senhor, isto é, a mensagem de Deus para aquele tempo e realidade.
O objetivo da LEITURA é estudar o texto até que ele, sem deixar de ser ele mesmo, torne-se o espelho no qual nos vemos refletidos.
2º DEGRAU – MEDITAÇÃO (ruminar, dialogar, atualizar).
A MEDITAÇÃO procura responder à pergunta: O QUE O TEXTO DIZ PARA MIM, PARA NÓS? Ela é o esforço para tornar atual o texto e trazê-lo para a nossa vida e realidade (Rm 15.4, Lc 10.26b). Isso quer dizer que o texto, experiência passada, lança luz, ajuda a dirigir a vida atual, possibilita respostas e facilita as decisões de hoje.
A MEDITAÇÃO é prática semelhante ao ruminar dos animais; é onde efetivamente eles se alimentam. Sua finalidade é resumir, numa frase que possa ser memorizada, a mensagem do texto e a nossa realidade. Quando isso acontece, o texto se mistura com a vida, e a vida com o texto. Aí acontece a encarnação da palavra.
Para MEDITAR, dialogamos com o texto mediante perguntas como:
1) Quais as semelhanças e diferenças entre a situação descrita no texto e a nossa vida hoje?
2) Quais os conflitos de ontem e de hoje?
3) Qual a mensagem que o texto trouxe para ontem, que lança luzes para a vida de hoje?
4) Que práticas o texto sugere para mim (plano individual) e para nós (plano coletivo)?
5) Que práticas ou idéias o texto quer corrigir, ontem e hoje?
Com a MEDITAÇÃO atingimos o “espírito” (força, poder, comunicação) presente no
texto, enquanto a LEITURA capta a “letra”. Não é possível conseguir aquele sem esta.
A MEDITAÇÃO é melhor quando feita comunitariamente, o que não exclui o esforço e a disciplina pessoal. É que a partilha fortalece a unidade e dá o sentido eclesial da fé.
3° DEGRAU – A ORAÇÃO – (suplicar, louvar, recitar).
Este degrau responde à pergunta: O QUE O TEXTO ME FAZ DIZER A DEUS? Trata-se da nossa resposta à Palavra de Deus que nos foi dirigida na LEITURA e na MEDITAÇÃO.
A ORAÇÃO deve expressar a experiência diária da vida em diálogo com a Palavra de Deus; o texto. Os Salmos bíblicos são as melhores orações onde as experiências básicas da vida estão colocadas diante de Deus e da comunidade dos fiéis. Nossas orações, pessoais e coletivas, prolongam as orações sálmicas, colocando diante de Deus os nossos problemas.
As respostas que damos a Deus podem ser de LOUVOR, AÇÃO DE GRAÇAS, SÚPLICAS, PERDÃO, REVOLTA, DESABAFO, AFIRMAÇÃO DE FÉ, REPETIÇÃO DE APRENDIZADO E DE SABEDORIA.
As orações não são, necessariamente, individuais. Elas devem expressar sentimento comunitário, para além do individualismo. O “PAI NOSSO” é exemplo. Mas em alguns momentos, devemos falar dos nossos problemas e aspirações pessoais a Deus. Importante é que elas sejam movidas por INSPIRAÇÃO (motivação espontânea) e MODELAÇÃO (repetição de orações reconhecidas, lidas ou decoradas). Além disso, a oração deve levar-nos ao encontro da outra pessoa, principalmente dos pobres. Nela, nos esvaziamos de nós mesmos para dar lugar a Deus e aos seus filhos e filhas, amados. Oração que não envolva compromisso com o próximo não pode ser correta, pois amar a Deus implica em amar ao próximo, e falar com Ele é dialogar com o outro humano que está ao nosso redor (Lc 10.25-37).
4º DEGRAU – A CONTEMPLAÇÃO (ação a partir do aprendizado)
CONTEMPLAR é responder: COMO VEJO AS COISAS E ATUO NELAS A PARTIR DO QUE APRENDI DA PALAVRA DE DEUS? Ela é a finalidade da leitura; a prática (Mt 7.24-25; Ap 1.3; 22.7).
Nos dois passos iniciais Deus fala conosco. Nos dois últimos, nós respondemos a Deus com orações e práticas. A CONTEMPLAÇÃO é a prática nova e iluminada pela Palavra de Deus, substituta da antiga prática. Ela atende às necessidades nossas, da Igreja, das pessoas, da sociedade e do mundo a partir do que Deus nos falou.
Comparando com o processo da alimentação, a LEITURA ORANTE DA BÍBLIA corresponde aos momentos do processar a comida, comer, fazer a digestão e obter a energia necessária para a ação. Esta última é o gasto da energia acumulada em trabalho transformador, solidário, construtor de uma nova sociedade.
(Roteiro elaborado pelo Revdo. Western Clay Peixoto, a partir das obras: “A LEITURA ORANTE DA BÍBLIA” (CRB, São Paulo, Edições Loyola, 1990) e “METODOLOGIA DE LEITURA POPULAR DA BÍBLIA” (CEBI-SUL, São Leopoldo, 1992)).